Perguntavam a alguém, há dias, numa entrevista radiofónica “qual é a sua memória mais antiga?”. Dei comigo a pensar em dois momentos, na Salúquia, sem que consiga saber qual deles foi o mais antigo. Tenho a imagem do “Calçadinho”, o rafeiro lá de casa, ter sido atropelado e o terem trazido, sangrando e moribundo, para dentro de casa. Tal como recordo o teto da cozinha da casa da Salúquia. Do compartimento, que ficava ao fundo à direita, recordo-me vagamente. Do teto de caniço, que estava lá muito no alto, com bastante clareza. A casa já não existe – era o nº. 43 da Avenida da Salúquia, mesmo em frente ao nº. 34 que encima este texto –, levada por recente demolição.
O facto de ser historiador leva-me à preocupação, quase obsessiva do registo da memória das coisas, das pessoas e dos sítios. Quem construiu este edifício? De quando data esta porta da cidade? Há desenhos antigos? E fotografias antigas? Quem escreveu sobre isto? A ausência de dados sobre coisas, pessoas e sítios, é crónica em Portugal. Vivendo hedonisticamente ao sol, num clima ameno e entre gente suave, somos assim, mais dados a esquecer que a recordar. Lete era, na mitologia grega um dos rios infernais. Quem tocasse as suas águas, esqueceria tudo. Em Portugal, Lete vence sempre Mnemosine.
Passei os últimos dois anos, por dever de ofício, mas com enorme prazer, tratando de matérias em torno da memória. A edição de livros, a preparação de vídeos, a celebração de datas têm, em pano de fundo, o sítio onde trabalho e onde se homenageiam 19 figuras. E que faz ainda referência a 6 personalidades ligadas à Igreja.
Dou-me conta, quase ao acaso, que o meu trabalho nas últimas duas décadas se tem dedicado à memória. Não de forma programática ou planeada com cuidado, mas tendo sempre a questão do esquecimento em pano de fundo. Era a recuperação da memória que estava em causa quando participei nos grupos de trabalho que levaram à reabilitação dos Quartéis ou da igreja do Espírito Santo. Ou quando se lançou a recuperação do Bairro do Carmo ou do Pátio do dos Rolins. Ou quando colocámos Moura no REVIVE. No dia 20 de julho de 2017 promoveu-se um Dia da Memória. Uma jornada que terminou à noite, no Bairro da Mouraria.
Nos últimos anos, as preocupações e interesses não se desviaram desses tópicos. Isso tenho tentado explicar aos alunos do Mestrado em Arqueologia e em Património. A isso me dediquei quando me lancei na divulgação da obra de Duarte Darmas ou, a partir de estudos já existentes e em livro a sair em breve, no resgate ao esquecimento dos arquitetos que construíram de raiz 174 agências da Caixa Geral de Depósitos.
Os próximos tempos serão ocupados na recuperação de memórias recentes. Moura estará em pano de fundo. Algumas das melhores e mais produtivas memórias profissionais passaram por aqui.
Falando em recordações, tomei posse como diretor do Panteão Nacional há exatamente dois anos.
Crónica publicada hoje em "A Planície"
1965 - no quintal da casa das primeiras memórias.
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