sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A PROPÓSITO DOS EMIGRANTES

Chama-se Ederzito António Macedo Lopes, nasceu em Bissau, e é filho de emigrantes. Na noite de 10 de julho de 2016 deu uma alegria maior a todos os portugueses. Aos que aqui estamos e aos que vivem fora de portas. Tenho a certeza de que essa alegria foi ainda maior para os nossos emigrantes.

Somos um País de gente que partiu. Em tempos idos, quase sempre por obrigação e pela necessidade de procurar um destino melhor. Nos tempos da escola primária, tinha vários colegas cujos pais estavam na Suiça. Cresceram na casa de generosos familiares. Com os pais que faltavam. Diria sobretudo com as mães que faltavam. O esforço dessas famílias para construir um futuro melhor – as casas que se construíam, os carros que se compravam, os negócios que, no regresso, se tentavam erguer – fazem parte de uma saga ainda por historiar e por homenagear devidamente. O respeito que tenho pelos emigrantes ultrapassa em muito o escasso talento que tenho para o explicar em palavras.

Ironias da vida, eu que nunca tive familiares próximos nessa emigração, vivo agora num bairro onde há muitos emigrantes. A estranheza com que muitos encaram isso não deve ser muito diferente daquela com noutros países se olhavam os nossos compatriotas. “Você mora onde?? Na Buraca?? Mas aquilo é só pretos”. O nome do bairro parece ser sinónimo de terror. Como se dissesse “vivo no South Bronx”. Ou “em LA South Central”. Ou “em Vaulx-en-Velin”.

A janela da cozinha fica virada para um local de passagem. E é uma janela sobre o mundo. Gente que vai para o trabalho ou do trabalho regressa. Emigrantes africanos ou cidadãos portugueses de origem africana passam a toda a hora. Há reformados, que o bairro tem cada vez mais reformados, e há ainda um certo ambiente de família. A praceta é um mix de alentejanos, de reformados e de população de origem africana. Afinal, foi o bairro que deu origem aos BURAKA SOM SISTEMA.

Ao fim do dia, quando a noite se fecha, são mulheres anafadas, na casa dos 50/60 anos, que regressam das empresas onde trabalham nas limpezas. Não é raro que tenham dois empregos: 14 horas de trabalho, mais duas em transportes vários, mais as compras, mais a família. Dessas vidas ninguém se lembra, e a elas não chegam as condecorações nem o elevador social. É neste ambiente que regresso muitas vezes a casa, no 50 ou no 54.

Os mais novos usam camisolas e vestidos com a bandeira de Cabo Verde. O azul e as ilhas. Falam cabo-verdiano e português. Têm uma forte relação afetiva com a terra de origem dos pais, tal como sucede com os nossos lusodescendentes. Contribuem para a riqueza do nosso País como os nossos emigrantes foram, e são, decisivos para a prosperidade dos países onde estão.

Quando percorro as ruas da Buraca dou comigo a pensar que esta é uma realidade em espelho. Muitos habitantes do bairro vieram para cá, como os nossos compatriotas foram para outras paragens. O mundo que aí vem pode causar-nos alguma “estranheza”, por ser uma realidade nova, num mundo que não voltará a ser o que era antes. Vai ser um mundo multicultural, diferente e, acredito eu, que nem sou grande otimista, vai ser um mundo melhor. Em grande parte, graças aos emigrantes. A todos os emigrantes.

Crónica em "A Planície"

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