quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

29.9.2013

O ano acabou há pouco. De um ano pouco nos fica. Deste que passou recordarei, daqui a algum tempo, quase nada. O meu dia mais significativo foi o 29 de setembro. Foi a data das eleições autárquicas.

Cheguei aquele dia depois de meses duros e intensos. Em setembro de 2012 não me passava pela cabeça ser candidato. Um ano depois era dado como favorito para ganhar as eleições. Encaro essa perspetiva com calma e sem euforia. Ao cair da tarde, na solidão do gabinete, leio a imprensa do dia e tomo notas num caderno. Chega a Isabel, que me vem fazer companhia. Nunca esteve de acordo com a minha opção política, mas vem dar-me apoio. Um gesto de elevação. Logo a seguir, a Sara Infante sobe as escadas. É a colaboradora da “Rádio Planície” que vem acompanhar o candidato da CDU. Prefiro aquela quase solidão ao bulício e ao nervosismo da sede. Passam as 19.30, depois as 20. Não há resultados. Elas dão nota de impaciência. Explico que só haverá alguns resultados por volta das 20.30 ou das 20.45. Se as tendências de voto forem claras, os resultados serão inequívocos cerca das 21.30. Caso contrário, a noite será longa. Volto a mergulhar na leitura e vou explicando como são as noites das autárquicas. Chegam os primeiros dados. Há surpresas. Os resultados são bons, mas não excecionais, em Santo Aleixo e em Safara, melhores no Sobral e, pasme-se, ganha-se a Junta da Póvoa. Olho para os números e não estou convencido. Estamos à frente, mas perdemos votos. A Sara pergunta quando haverá declarações. Rio e digo que falta muito. Subitamente, as coisas complicam-se. Há perdas importantes em Moura e em Amareleja. O PS não se afirma, embora suba um pouco. A contagem faz-se taco a taco. Tenho a sensação de que irei perder. A Isabel mostra-se incrédula. A Sara quer declarações. A dada altura, já a noite vai longa, tenho a quase certeza da derrota. A minha calma causa, paradoxalmente, enervamento. Lembro-me de um poema de Konstandinos Kavafis, “Pois Deus abandona a António”, que evoca a derrota de Marco António. O texto é de uma beleza ímpar e leio-o em tom pausado, quase solene. A Isabel pergunta “como é que raio tens cabeça para poetas gregos a esta hora?”. Telefona-me o José Maria, preocupado com o evoluir da contagem. A coisa está muito tremida. Decido sair do gabinete e ir para a sede de campanha, para acompanhar os nossos generosos ativistas. O ambiente é pesado. Uma funcionária da Câmara, por quem tenho respeito e amizade, repetia “eu não acredito”. Chegam notícias de vitórias: Beja, Cuba, Évora, Alandroal, Loures, Grândola... Digo, em tom de humor ácido, “sou a ovelha negra da CDU”. A Zélia repreende-me, sem cerimónia. Chovem telefonemas, que rejeito, e sms, que ficam sem resposta. Mantenho uma calma que causa mais enervamento em volta. A Sara quer umas palavrinhas para a Planície. Digo que só falarei quando houver resultados finais. Sei que a vida de muitos dos que me apoiaram não será fácil. Já vi este filme. Falta uma mesa por contar e temos 40 votos de desvantagem. Dou a eleição como perdida e começo a preparar, mentalmente, um discurso de despedida. E outro futuro. Subitamente, o PS faz a festa. Clamor, buzinas, uma caravana que se forma. O repórter da Rádio Planície dá, em tom empolgado, a vitória do meu adversário como certa. Este, sem maturidade e de forma precipitada, proclama-se vencedor e faz um discurso despropositado. Pedem-me declarações. Volto a recusar. Vejo passar um funcionário da Câmara, que sempre me fez profundas declarações de amor e fidelidade, em direção à sede de candidatura do PS. Vai de sorriso rasgado e olha, ironicamente, o grupo de gente abatida que está à porta da nossa sede de campanha. De onde eu estou ele não me vê. Também eu sorrio e penso em Blaise Pascal... Chega o Escolate, que estava em casa e me veio dar um abraço. Logo a seguir chega o Tarugo. Conto com os de sempre, coisa que não se apagará. Mais com o Jorge, que está com um ar chateadíssimo. Subitamente, o José Maria telefona, com uma frase curta: “já podes dizer à malta que ganhámos”. Peço que me confirme. Pergunto se quer que espere por ele. Diz-me que não. Cruzo o largo em passo lento. Durante aqueles cinco segundos percebi que o futuro seria, afinal, outro. Duas pessoas perguntam-me que se passa. Faço “bluff” total e nada digo. Subo a um improvisado palanque e peço às dezenas de pessoas que se aproximem. Peço um segundo de silêncio antes de dizer “ganhámos”. Só consigo dizer uma palavra. Só essa. Sou submergido pelo entusiasmo. Abraços, gritos e encontrões. Há quem chore copiosamente. Vou beber uma imperial, com os de sempre, ao “Ideal”. Começa uma ida e vinda entre a sede e a Câmara. Não há a certeza da maioria absoluta. Depois sim, isso confirma-se. Falo, finalmente, à Rádio. Refugio-me, quase solitariamente, no “Liberato”, para uma cerveja. Telefona Francisco Cerejo a dar-me os parabéns. Retribuo. Do outro lado, nada mais. Rumo à Póvoa de S. Miguel, ainda em plena festa do padroeiro. A minha chegada causa surpresa. Tratava-se de uma promessa que fizera ao Rui Almeida “se ganhar, vou beber uma cerveja consigo”. Chove na Póvoa e há um baile molhado no meio do largo. Apetece-me dançar mas tenho vergonha. Opto por mais uma imperial. Levo um banho de “whisky-cola”, dado pelo Cláudio Pereira. Regresso a uma Moura silenciosa. Antes de rumar à Salúquia, ainda tenho tempo para um derradeiro festejo com um eufórico grupo de santo-aleixenses (Jorge Machado, José Caçador etc.), armado com uma grade de minis.

CODA – O futuro mudou, de vez, em 20 de outubro. Tomei posse, tendo a honra de ser o oitavo presidente da câmara do pós-25 de abril. Não está ninguém de Mértola. Não há colegas de profissão. Vieram amigos de fora. Não posso deixar de notar que são mais os do PS e os do PSD que os do PCP. Estão, sobretudo, os amigos de sempre. E estão os mourenses.


Crónica publicada em "A Planície" de 1.1.2014. A fotografia é do amigo Rui Ferreira. Veja-se o site:
http://www.rf-fotografia-aerea.com

8 comentários:

Zélia Parreira disse...

A Zélia que o repreendeu sou eu? O que é que eu lhe disse? Não me lembro mesmo...

Santiago Macias disse...

Se é você?
Como pode duvidar??

Textualmente:
"Olhe lá, Santiago, desculpe mas não tem o direito de dizer essas coisas! Esteja sossegado, se faz favor."

Foi isso.
:)

Zélia Parreira disse...

Ah, pois...! Lá está, a minha mania de dizer o que penso :)
E comprovou-se que tinha razão, está a ver?

A verdade é que me lembro muito pouco dessa meia hora. Fui para casa, nem tinha forças para estar de pé. Só voltei já depois de saber a notícia e em circunstâncias que o meu bom nome não me deixa partilhar aqui :)

Unknown disse...

Santiago
Sem dúvida uma noite que irei lembrar durante muitos anos.
Pois depois dos momentos de angústia e tristeza,a euforia e a alegria de uma vitória muito "suada" mas muito merecida.

conceição amaral disse...

Até eu em lisboa, estive a sofrer por ti e por acreditar que eras o favorito para tratar dos destinos de Moura. E ... a minha sms sem resposta tua foi óptimo!
Aí está... o futuro de Moura será certamente melhor contigo à frente!

conceição amaral disse...

Santiago, até em Lisboa se sofreu com a tua iminente e inexplicável não vitória! Mas ainda bem que não sofremos do coração e que não respondeste a uma das sms recebida! mas como diria o outro "Deus é grande e sabe o que faz".
Tu ganhaste mas foi Moura que levou a melhor parte! De Moura se falará entretanto...bjs

Paulo Amorim disse...

Meu Caro Santiago:

Ler esta tua crónica, deixou-me até empolgado, embora à distância (desde Lisboa) não deixei de torcer pelo meu velho colega de escola, nessa noite eleitoral. A tua descrição parecia um relato empolgante de futebol digno de uma final da "Champions" !! Tenho a certeza de que essa experiência só poderá ajudar-te a manter o necessário desapego pela perenidade dos "tachos autárquicos" e te fará um (ainda) melhor Presidente !!

PS: Quem não esteve contigo ou te virou costas, só tem a perder, mas sei que tu não és pessoa de guardar rancores e até retiras forças dessas vicissitudes!

Abraço do Paulo Amorim

Zé LG disse...

Espectacular crónica de uma vitória anunciada mas arrancada a ferros. Assim acabou por dar mais gozo. E, concordando com o comentário precedente, fará de ti um melhor presidente.
Abraço
LG