sexta-feira, 26 de abril de 2024

I ❤ BUROCRACIA: POEMA DA FLOR PROIBIDA

Se uma coisa me irrita é aquela burocracia inútil com que enxameiam as nossas vidas. Desisti, ontem, de participar num congresso, algures na Europa - depois da minha proposta de comunicação ter sido aceite - porque me enviaram quatro ou cinco longos pdf's com tretas para responder e com instruções para seguir. Perdi, de vez a paciência, quando me perguntaram sobre crimes cometidos nos últimos cinco anos. Não sei se uma multa (leve) por (ligeiro...) excesso de velocidade conta. Fechei o computador murmurando baixinho "vão à *****".

A burocracia inútil é um inferno quotidiano. De pouco serve e tudo empata. Só me evoca homens sisudos e de chapéu de coco. Um poema de Gedeão e uma tela de Magritte. O poema já por aqui andou em 31.3.2009, a tela também, em 20.9.2013.


Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.

Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.

Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.

Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.

Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.











Golconde está na Menil Collection, em Houston, no Texas. Foi pintado por René Magritte (1898-1967) em 1953.

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