Com a devida vénia, como em tempos se dizia, aqui vos deixo uma magnífica crónica de Correia da Fonseca sobre a situação na Síria:
1. Nos primeiros dias, e
mesmo nos seguintes, a comunicação social reprodutora das versões convenientes
contou-nos estórias ingénuas em que quase só acreditava quem queria: em resumo,
que um grupo de paisanos bem formados e ávidos de democracia tinha resolvido
acabar com uma ditadura detestável, aparentemente quase que usando apenas as
mãos nuas e pouco mais. Depois, decerto porque não se pode ocultar tudo durante
todo o tempo, foram gotejando informações capazes de comporem um outro quadro. Revelam
que os espontâneos e inocentes combatentes pela liberdade manejam material
bélico sofisticado, incluindo carros de combate, que dificilmente lhes teria
caído do céu aos trambolhões sem que lhes tivesse partido as cabeças. Que os
mesmos recebem ajuda, embora não se sabendo quanta e qual, da Arábia Saudita e
do Qatar, estados onde a total penúria de respeito pelos tão invocados direitos
humanos é aparentemente compensada pela estrita obediência à política de Washington.
Que Israel, esse estado que detém, e de longe, o recorde mundial de desobediência
a resoluções da ONU, e que aliás desde há muito ocupa ilegalmente uma faixa de
território sírio, também está irmanado com o autodenominado Exército Sírio
Livre. Que nem mesmo os homens da ONU/USA declararam frontalmente que a responsabilidade
pelos horrores havidos na Síria podem ser imputados exclusivamente às forças fiéis
ao presidente Assad, bem antes pelo contrário.
2. A este breve
arrolamento de factos que têm como que passado pelas malhas da rede
manipuladora que a TV, como elemento fundamental da ofensiva mediática
desencadeada contra a Síria, tem querido erguer entre nós e a realidade,
acrescentaram-se recentemente (escrevo estas notas no sábado, 28) duas informações
esclarecedoras, decerto entre várias outras. Uma delas até se reveste de um
aspecto um pouco caricato: trata-se da afirmação já reiterada de que o governo
sírio disporia de «armas de exterminação maciça», que no caso seriam armas
químicas, e que estaria disposto a usá-las contra o «povo revoltado». Todos decerto
nos lembramos ainda da repetida afirmação de que o Iraque de Saddam Hussein possuía,
também ele, «armas de destruição maciça», e de que esse foi o argumento
decisivo para justificar a invasão do Iraque pelos Estados Unidos & Cª.,
com o cortejo de horrores que aliás ainda hoje prossegue embora já não no seu
apogeu. A outra informação recentemente prestada, e sem que dela haja motivo
para duvidar, é a de que o ponto mais duro dos combates entre as forças fiéis
ao governo e o tal Exército Livre é agora a cidade de Alepo. Ora, acontece que
Alepo está encostadinha à fronteira com a Turquia, o que confirma perante quem
não tenha escolhido ser míope que a Turquia tem vindo a ser a principal base
das operações desencadeadas contra a Síria. Sem surpresas, aliás: a Turquia é,
consabidamente e desde há muito, um peão da política norte-americana na região.
Que essa sua condição seja agora de facto confirmada também pela TV é, pois,
natural e inevitável nas circunstâncias actuais.
3. A mesma TV fornece
uma outra informação verdadeiramente concludente no exacto momento em que
escrevo estas notas: citando um jornal diário, a apresentadora de um
telenoticiário diz que na Turquia está instalada uma base que, com auxílios da
Arábia Saudita e do Qatar, se destina a apoiar as forças anti-Assad. É já a
Operação Anti-Síria sem os nevoeiros mistificadores dos primeiros dias. Entretanto
havia sido divulgada uma outra informação, essa até um pouco patusca: as
deserções entre os apoiantes do presidente Assad têm sido em número muito
inferior ao que o «Ocidente» esperava e ao que aconteceu na Líbia em relação a Khadafi.
Querem ver que o dólar está a perder o seu poder de convencimento?
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