sábado, 20 de outubro de 2012

A POESIA NÃO VAI ACABAR


Quase sinto vergonha de nunca ter aqui transcrito nenhum poema de Manuel António Pina. Copiei uma das suas crónicas, onde, sem dó nem piedade, fustigava o atual PM (a ainda a procissão ía no adro - v. aqui).

Agora, que Manuel António Pina partiu e não haverá mais poesia escrita, temos a certeza que a poesia, e todas as escritas, apesar da sua efemeridade, se renovarão e perpetuarão.

O poema que está umas linhas mais abaixo é de um livro que tem um belo e original título: "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde" . 

Porquê o quadro com os gatos? Porque o poeta gostava de gatos. E este foi o mais original que arranjei. É de um pintor flamengo, Abraham Teniers (1629-1670), dado a figurações algo invulgares. Nada de espantar naquelas paragens. A barbearia está no Kunsthistorische Museum, em Viena.




A poesia vai acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem).
Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei:
"Que fez algum poeta por este senhor?"
E a pergunta afligiu-me tanto
por dentro e por fora da cabeça que
tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

Sem comentários: