Continua o registo mensal. Esta "contabilidade" pessoal dá(-me) uma ideia de como o blogue é seguido. Há surpresas como esta. Um simples texto publicado em "A Planície" e transcrito no blogue teve, em três dias, mais de 7.500 leituras. O que faz dele o segundo texto mais lido em dez anos de Avenida da Salúquia. O mérito é dele, não meu.
BOLSA DE ESTUDOS DR. ALBERTO FERNANDES
Há pessoas que imaginamos como eternas. Temos a certeza, mas a certeza mesmo, que nunca sairão da nossa vida, e que estarão numa qualquer esquina da nossa terra. O Dr. Alberto era uma dessas pessoas. Lembro-me dele, era eu ainda muito pequeno, quando ele já andaria perto dos 40. Parecia-me uma pessoa velha porque, quando somos pequenos, todos os que passaram da adolescência são velhos. O meu pai acompanhava, com frequência, o Dr. Alberto nas suas saídas ao campo, ajudando-o nas tarefas de vacinação dos animais. Numa tarde, e segundo relatos fidedignos, bateram ambos o recorde mundial de salto em altura, ao serem perseguidos por um pouco amigável touro bravo, na Herdade da Galeana.
Às vezes, muito raramente, admitiam garotos como eu nesse círculo. Com tanto de profissional, como de fraterno. Foi assim que passei pelas emoções fortes de um pneu de um carocha rebentado na reta do Sobral, com o carro aos ziguezagues, até parar. E pelo atropelamento de que fui vítima por um leitão furioso por ter sido vacinado, que me atirou, patas ao ar, num monte algures. Devo essas impressivas recordações ao Dr. Alberto. E dou graças à “irresponsabilidade” paterna, que me arrastava, em horas de escola e ainda que com conhecimento da D. Jacinta, por esses caminhos improváveis.
Momento altos? Houve vários. Talvez o mais inesquecível tenha sido em 1984, quando chamaram o Dr. Alberto para anestesiar uns cavalos. Rodava-se, em Noudar, o filme “A moura encantada”, de Manuel Costa e Silva. Numa das cenas, havia uma batalha e havia cavalos mortos. O Dr. Alberto foi chamado para os por a dormir. Deu-me depois boleia para Moura. Onde cheguei, tardíssimo, e depois de uma deambulação por inúmeros sítios. Ele estava capaz de recomeçar o dia, eu mais anestesiado que os cavalos...
Fui encontrando, a espaços, e até há muito pouco, o Dr. Alberto nas mais variadas circunstâncias. A vida não alterou nem a sua bonomia, nem a sua generosidade. Nem a sua amizade pelos Forcados de Moura, que o tinham como homem de grande respeito. Nem a energia. O encontro era selado com um sonoro “Don Santiago!”, a que se seguia um abraço que me deixava as costas em mau estado. Vou ter saudades, para sempre, dessa saudação.
Escrevi, em dezembro de 2011, quando lhe foi atribuído o título de “mourense do ano”: “o Dr. Alberto, como é popularmente conhecido, dedicou toda a sua vida à medicina veterinária, numa atividade que teve, ao longo de muitas décadas, tanto do profundo conhecimento técnico quanto de sacerdócio e de entrega ao próximo. Simpático e dotado de rara simplicidade, é figura popularíssima no concelho de Moura, e muito para lá das suas fronteiras, conseguindo a rara proeza de gerar um amplo consenso entre os mais diversos setores sociais e políticos da nossa terra”. Poderia repetir hoje tudo isso e acrescentar uma faceta da sua personalidade, que sempre me causou funda perplexidade. Tinha uma memória extraordinária, que lhe permitia fixar centenas de números de telemóveis e dizer, de cor, o plantel da equipa de futebol xis de 1968. Dizia-me um familiar, com um sorriso já de saudade, naquela tarde em que me fui despedir do Dr. Alberto, “é claro que depois nunca se lembrava da matrícula do seu próprio carro...”.
Fixar a memória daqueles que tanto se entregaram a uma terra é obrigação de todos nós. Fazê-lo através de um nome de rua, pode ser honroso, mas nunca me pareceu grande solução, por banal. Perpetuar o nome dos que, como Alberto Fernandes, tanto trabalharam para tantos, a todos deve dizer respeito. Creio que a atribuição de uma bolsa de estudos, com o seu nome, destinada a estudantes de veterinária do nosso concelho, seria uma forma apropriada de celebrar a carreira de Dr. Alberto Fernandes. Seria uma iniciativa que tomaria, estando num lugar (Câmara Municipal ou Junta de Freguesia) onde essa capacidade de decisão me coubesse.
Texto publicado em "A Planície". Fotografia do facebook do amigo Luís Lança.
Sem comentários:
Enviar um comentário