Em direcção à ilha, junto dos mortos,
casados com a canoa desde o bosque,
com os céus enrolados nos braços como abutres,
as almas saturninamente aneladas:
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assim vogam os estranhos e os livres,
os mestres do ferro e da pedra:
rodeados pelo barulho de bóias que se afundam
e pelos latidos do mar azul tubarão.
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Eles remam, remam, remam:
oh mortos, nadadores, adiante!
Cercado também isso com nassa!
E o nosso mar que amanhã estará seco!
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Caspar Andriaans van Wittel (1653-1736) foi um daqueles nórdicos que se tomou de amores pelo Mediterrâneo. Nasceu em Amersfoort, faleceu em Roma. Neste quadro, pintado pouco depois do início do século XVIII, representa o cemitério de Veneza. Que fica, como é natural, numa ilha. Afinal, Arnold Böcklin não foi assim tão original...
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E o poema de Paul Celan, publicado em 1955, fez-me lembrar, de forma irresístivel, as pinturas setecentistas onde se vê a Isola di San Michele. Tenho pelo sítio, que não conheço, uma velha obsessão. Que vem de há muito, quando vi, num telejornal, colocarem a urna com os restos mortais de Igor Stravinsky (1882-1971) dentro de um barco. Não sei o que terei pensado na altura. Mas não mais me esqueci do funeral.
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Em Portugal há, também, uma ilha dos mortos. Será tema para outro texto, amanhã.
1 comentário:
Sim, Böcklin não foi assim tão original mas faça-se a justiça de reconhecer que o seu quadro é muito mais inquietante, o que, dada a natureza do tema, não é coisa dispicienda...
JCL
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