Em 1999
era literalmente impossível andar a pé nos curtos 200 metros que separam a mesquita
Ketchaoua da grande mesquita de Argel. As medidas de segurança eram pesadas e
nem pensar em frequentar antros de integristas islâmicos. Chateado e frustrado,
não pude então visitar qualquer dos espaços religiosos da cidade. Pensei “nunca
mais”. Não regressaria à Argélia e não visitaria nenhuma das mesquitas que
queria ver.
O
destino troca-nos as voltas. Há sítios onde pensamos não mais regressar e que
depois voltam a fazer parte do nosso percurso. Com Argel, foi assim. Cinco anos
volvidos estava de volta à cidade. A guerra esfumara-se, o projeto de estudo da
arte islâmica que, a partir de Portugal, coordenava estava no bom caminho e era
preciso regressar a Argel. A cidade mudara radicalmente e circulava-se com
calma. Depois de um par de voltas pelo exterior da mesquita principal, um
intrigado Boussad inquiriu-me “mas queres entrar?”. Surpreso, perguntei se era
possível. Estava convencido que vigoravam os princípios de “exclusão”
praticados em Marrocos. Nem pensar. Podia visitar tudo, em total liberdade. No
Oriente, a prática era essa – a grande mesquita dos omeias, em Damasco, é um
grande local de encontro comunitário – mas não tinha a certeza que assim fosse
noutros locais. A minha entrada na sala de orações não despertou mais que uma
vaga curiosidade. Um dos orantes, divertido e pouco concentrado, fazia-me adeus
com as duas mãos, enquanto eu disparava a máquina fotográfica. Tinha a certeza
que o espaço não seria tão multicultural como o de damasco, onde o mausoléu de
S. João Batista é local de oração de muçulmanos e de cirstãos, mas também não
pensei que o ambiente fosse de tão completa “nonchalance”. Nos anos seguintes,
várias vezes retornei à Argélia. Recordo a impressiva visita ao mausoléu de
Sidi Boumedienne, assim como a entrada no ambiente de tenso fervor de Sidi
Ramdane (um senhora muito idosa chegou-se ao pé de mim e segredou-me “transmita
os nossos melhores votos às pessoas da sua terra”, para depois se afastar e
continuar a rezar). Ou ainda, o insólito passeio por uma deserta e gigantesca
mesquita de Tlemcen, acompanhado por um desnecessário segurança. Que resolveu
rezar e deixou a pistola cair no chão, espalhando balas pelo solo...
Ao
longo dos anos, fui recolhendo elementos e dados em mesquitas em terras tão
diferentes como o Mali, Marrocos, a Tunísia, o Egito, a Turquia, a Síria,
Gibraltar, Portugal ou Espanha. Com várias limitações, ora técnicas, ora de
aceso a determinados lugares, ora de aperto de tempo.
Ao
redigir o capítulo seis, sobre espaços religiosos e funerários, de um livro em
produção, achei que era altura de retomar o tema para um trabalho autónomo. "Mesquita / Masjid" estará pronto dentro de uns tempos. Regresso, lenta mas
firmemente, ao Mediterrâneo. Cada vez como menos certezas quanto aos sítios que
irão fazer parte do percurso futuro.
PS:
Tinha pensado fazer a crónica sobre o Convento do Carmo. Não vale a pena, para
já. Cada coisa a seu tempo. A verdade triunfará. Faço apenas votos que o
processo de reabilitação seja coroado de sucesso.
Crónica publicada hoje, em "A Planície"
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