quinta-feira, 1 de setembro de 2022

IDADE MAIOR

 “Un hombre sabe que se esta haciendo viejo porque comienza a parecerse a su padre”. Não creio que “El amor en los tiempos del cólera”, de Gabriel García Márquez, seja uma obra-prima. Mas esta frase é.

Durante muitos anos fui sendo assombrado pela afirmação “estás cada vez mais parecido com o teu pai”. Uma verdade que o tempo foi vincando. Até chegar ao momento da irrealidade. Ao fazer uma visita solitária a uma parente já muito idosa e muito debilitada, num lar, fui surpreendido com a pergunta “João, o que é que está aqui fazendo? Há tanto tempo que não o via”. Ouroboros entrava na minha vida.

Gosto agora de coisas que antes me pareciam insuportáveis. Na música, no cinema, nos livros, mas, sobretudo, naquilo que se liga a sítios ou a memórias precisas. Divirto-me, às vezes, a ter saudades de coisas de há 50 anos. E que há 50 anos não achava assim tão engraçadas quanto isso. Setembro era o mês da feira e o da feria. Havia a Feria de Paymogo, que achava uma chatice medonha, porque não havia carrocéis e levavam o tempo todo bailando sevilhanas. E eu não percebia porque chamavam aquela borga infindável uma “feria” (agora percebo, mas agora já é tarde).

O tempo e o mundo não pareciam ter fim. Que músicas havia na “feria”? Raphael e Mocedades e "Eres tú" e a Salomé e aquele penteado inacreditável e vestida com um carpélio no "Vivo cantando" e a Massiel. E a Marisol, claro. E os êxitos regionais, com Perlita de Huelva e Los Marismeños. A Perlita cantava "De mi Huelva que es tu hermana / Sevilla te traigo un beso" e eu nunca me convenci que aquilo fosse a sério, porque os de Huelva e os de Sevilha gostam tanto uns dos outros como os Porto gostam dos lisboetas e vice-versa.

O outro setembro era melhor, para mim. Nos dias 8, 9 e 10 havia feira em Moura. Aí sim. Tínhamos o poço da morte, o palhaço Fred e o Conde de Aguilar. O maior palhaço do mundo e maior ilusionista do mundo. Houve, nessa feira de 1971, a carteira de plástico preto com o emblema do Benfica. Era linda a minha carteira de plástico preto com o emblema do Benfica e nunca percebi porque é que lá em casa só eu gostei dela. 12$50 (uns seis cêntimos) foi o investimento, logo no primeiro dia, embora me tivessem dito para não comprar nada no primeiro dia de feira, porque era o dia mais caro.

Estava muito longe de imaginar que, entre 2006 e 2017, me caberia a tarefa de coordenar a organização da maior parte das feiras de Moura. Houve de tudo um pouco nesses anos: momentos de exaltação e de tensão, vitórias e derrotas, música da nossa terra, o CD “até onde chegam as oliveiras”, concursos de petiscos, tasquinhas e um permanente apoio às associações, salões de premiados, ateliers de costura, exposições de fotografia e de recriação dos animais da Contenda (a melhor de todas, em maio de 2015), encontros de apicultores, concursos de azeite, a presença do gado, as mesas-redondas, os ateliês de cozinha, um sem número de atividades. Parecia-nos sempre pouco, porque queríamos sempre mais e melhor e porque não nos conformávamos com a ideia de que a feira se limitasse a um programa de música.

O tempo passou. Agora, já mais perto da idade maior, gostava de regressar à “feria”, a Paymogo. Embora dos tempos de outrora já quase ninguém lá esteja. À feira de Moura, da minha Moura, voltarei na próxima semana. Sem ter que viver sob o “stress” que ia, sempre, de quinta à tarde até domingo à noite. E sem ter de me preocupar com a coordenação de uma iniciativa complexa, que envolvia dezenas de pessoas. E que era mais que palcos e música.

Crónica em "A Planície"

Fotografia no site do Arquivo Municipal de Moura: https://arquivo.cm-moura.pt/

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