quarta-feira, 28 de outubro de 2015

VÉNUS

A palavra museu, do texto de ontem, remeteu-me para este poema, doutra museologia. E para dois nomes com lugar cativo por estas bandas, cujo sentido poético e cuja malícia muito invejo: Carlos Drummond de Andrade e Manuel Álvarez Bravo. A Vénus (ou fruta proibida) deste último foi pensada quando o fotógrafo mexicano já tinha 75 anos. Como diz o título do filme de um amigo meu, a ideia nunca abala. E Álvarez Bravo fotografou assim até aos 100 anos.

No pequeno museu sentimental

No pequeno museu sentimental
os fios de cabelo religados
por laços mínimos de fita
são tudo que dos montes hoje resta,
visitados por mim, montes de Vênus.

Apalpo, acaricio a flora negra,
a negra continua, nesse branco
total do tempo extinto
em que eu, pastor felante, apascentava
caracóis perfumados, anéis negros,
cobrinhas passionais, junto do espelho
que com elas rimava, num clarão.

Os movimentos vivos no pretérito
enroscam-se nos fios que me falam
de perdidos arquejos renascentes
em beijos que da boca deslizavam
para o abismo de flores e resinas.

Vou beijando a memória desses beijos.

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