O texto está muito bem escrito. Clara Ferreira Alves não deixa os seus créditos de cronista por mãos alheias. Fora isso, não tem, para um político local, qualquer interesse. É evidente que CFA se refere aos políticos do governo ou aos que irão para o governo. Numa autarquia, em especial numa cidade de pequena dimensão, nada é assim. Nada de nada... Passamos o tempo em permanente trabalho de relações públicos. E num permanente, e por norma pouco reconhecido, serviço público. Nada que lamente. Ao contrário, já sabia que iria ser assim. Esse jogo de minuetos e valsas não é o de um alcaide de província. Do ponto de vista pessoal, não me vejo encarcerado nos salões e corredores desse grande poder de que fala CFA...
Não sei muito bem qual a
vida de um político. Um político de um grande partido. Sei que não é fácil
estar num palco 24 em 24 horas. Faz perder de vista a realidade. Um político
vive rodeado de uma corte, que serve simultaneamente de barreira contra o mundo
real e de filtro da realidade. Os cortesãos e conselheiros vão mediando a
relação com os outros e com os factos e vão-lhe dizendo como se comportar
perante este ou aquele acontecimento ou pessoa. O político a tempo inteiro não
age, reage. Reage aos media, reage aos rumores, reage às notícias, reage às
frases, reage às definições e, por grosso, reage à realidade. A reação é o
resultado da ação, não a sua, a que os cortesãos lhe aconselharam. Além dos
cortesãos existem os corpos políticos nacionais e internacionais que rodeiam o
político. No caso do político no governo, os ministros e os secretários e
subsecretários e a legião de burocratas que os acompanham mais os respetivos
cortesãos e conselheiros. Toda esta massa, que podia ser massa crítica,
silenciosa ou não, reage entre si como substâncias químicas. Dadas as relações
de interdependência, tendem a reagir corporativamente. A lealdade ao partido
sobrepõe-se a todas as lealdades, e a lealdade ao primeiro-ministro sobrepõe-se
às veleidades de um pensamento próprio. O acesso aos cargos de topo é
condicionado pelo exercício desta lealdade. Os irreverentes, rebeldes e
independentes são mal tolerados na hierarquia e perdem acesso.
No caso do político na
oposição, a vida não é muito diferente, com a diferença de que os gabinetes
substituem os ministérios e a vida partidária sobrepõe-se, com a sua
estratificação de lealdades, à vida governamental. O acesso é novamente
condicionado, embora mais aberto do que no caso do governo. Apesar de o acesso
ser mais livre, a querela intrapartidária obriga à formação de grupos de ação e
reação que tendem a anular-se uns aos outros em segredo e aos quais os
jornalistas gostam de chamar nomes terminados em istas. Costistas, seguristas,
socratistas, soaristas, guterristas, etc. Os istas do contra vão-se diluindo
com o tempo no poder.
A tarefa principal do
político na oposição é reagir ao político no governo, que tem o privilégio e a
desvantagem da ação política. O político do governo fez, o da oposição diz que
vai fazer. Exige crença suplementar. A de que fará melhor do que o adversário.
A articulação deste futuro indicativo, torpedeado pelos adversários e pelos
comentadores, é hoje decidida pelos tecnocratas. Mais do que a crença, que está
fora de uso, o que beneficia o político da oposição é a oposição popular. Aqui
se encontra a única margem de manipulação política. Hoje ganham-se eleições
porque outros as perdem. O que quer dizer que a ação e a reação devem ser
voltadas para o discurso negativo e não para o positivo. Não é tanto o que vou
fazer como aquilo que o outro não fez ou fez mal. Os articulados exigiriam
subtilezas que, novamente, são abolidas ou filtradas pelas legiões de
profissionais e políticos que rodeiam o político e pelos media ávidos de título
e soundbite. No news is bad news para a informação. As legiões substituem a
convicção pelo efeito. Não diga o que ele faz mal, diga o que as pessoas acham
que ele faz mal mesmo que ache que faz bem.
O político do governo
está manietado pela continuação da ação. Se mudar de ação, será acusado de
fraqueza. Se não mudar de ação, pode ser punido com a derrota. Introduzir neste
círculo vicioso da política mediada um elemento de verdade é impossível. Todo o
sistema de ação e reação assenta na previsibilidade. Tanto mais que o jornalismo,
que se tornou perito em prever e aconselhar em vez de noticiar, é tão
previsível como a política. Os segredos e as verdades são para serem camuflados
pela diplomacia e a hipocrisia de interesses e cumplicidades. Eu sei que tu
sabes que eu sei.
Não admira que a campanha
eleitoral pareça — e não passa de aparência — uma abertura, uma brecha no muro.
Os pássaros saem da gaiola. Não podem dizer o que querem, mas podem sair do
carro oficial, do círculo de cortesãos e conselheiros, sair da rota entre a
casa e a sede, entre o gabinete e o gabinete, entre o avião e a reunião. Podem
comer um pastel de bacalhau com o povo. Não são as inaugurações e as feiras, as
Ovibejas e as fábricas, são instantes de vida quase normal. Tomam uma bica no
café da vila, cumprimentam os velhos, ouvem as queixas das mulheres, pisam a
rua. São vaiados e ovacionados com alguma sinceridade, apesar da camioneta que
o partido manda “para compor a coisa, senhor doutor”. Podem dizer uma graça da
sua cabeça, podem engasgar-se, podem chorar, podem rir. E podem divertir-se se
fizerem parte do grupo de políticos que aprecia o banho de multidão e as
imperiais ao balcão.
As campanhas eleitorais
são dias de folga. Tirando isto, não sei para que servem.
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